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Brincar de Rua

O Brincar de Rua é um programa de inovação social, implementado em 2016, e que visa criar condições para que as crianças voltem a brincar na rua do seu bairro, através da criação de grupos comunitários de brincar. O Brincar de Rua é um programa desenvolvido pela Ludotempo – Associação de Promoção do Brincar.

No Brincar de Rua as crianças brincam! “Sem imposições dos adultos. Sem pressas. Ao sabor da sua imaginação e vontade. Podem brincar sozinhos ou em grupo; podem correr, saltar, construir ou simplesmente desenhar com o giz no chão; podem trazer os seus brinquedos de casa ou brincar com objetos que existam na área do Grupo Comunitário de Brincar”.

O Francisco Lontro da Ludotempo – Associação de Promoção do Brincar deu-nos a conhecer este projeto.

 

Como nasceu o Brincar de Rua?

Importa em primeiro lugar dizer que nasceu dum grupo de pessoas com formações ligadas às áreas de saúde/ desenvolvimento humano/ educação, que olharam (e olham) com sentido crítico e vistas largas (e de diferentes pontos de vista) para a forma como nós, enquanto sociedade, estamos a projetar as possibilidades de desenvolvimento das nossas crianças: numa perspetiva macro (de organização das cidades, das escolas, dos currículos), mas também numa perspetiva micro (da organização das famílias, das relações de comunidade local/ de bairro).

As conclusões são complexas, mas a síntese é simples (e, por vezes, dolorosa – tão dolorosa que algumas pessoas preferem ignorá-la, na esperança que desapareça por si): por um lado os estudos e relatórios apontam para potenciais problemas graves de saúde para as crianças (cada vez maior sedentarismo, excesso de peso clamoroso – ⅓ das crianças portuguesas – demasiado tempo de ecrã – os dados apontam já para médias de 4 horas diárias) e sobretudo as escolas e os pais mais atentos falam já de um défice de competências pessoais sociais alarmante (desde questões relacionadas com a autonomia, à persistência/ perseverança, resistência à frustração… resolução de conflitos).

Tudo isto acontece sobretudo porque nós, adultos, estamos a imprimir um ritmo e um estilo de vida às crianças que está já mal ajustado a nós e muito mais mal ajustado às necessidades de desenvolvimento dos miúdos. Adultos sedentários “transmitem” um exemplo de sedentarismo; as horas de ecrã dos miúdos são também um reflexo da forma como nós nos organizamos em frente ao telemóvel, computador, televisão; a sobrecarga de atividades é outro sinal desta espécie de urgência que nós adultos temos de fazer mais e mais, em busca de algo que não sabemos bem o que é, mas que foi “anunciado” como bom por alguma tendência.

Sintetizando, o Brincar de Rua nasceu da identificação da necessidade de mostrar alternativas, dar oportunidades às famílias e às comunidades para organizarem um espaço e um tempo diferentes e complementares às vidas “ocupadas”, (muitas vezes digitalizadas) e aceleradas das crianças.

 

 

Brincar ao ar livre é importante para as crianças?

Há estudos que começam a fundamentá-lo do ponto de vista médico (descreve-se há muito a importância da atividade física, claro, mas fala-se também no desenvolvimento do sistema imunitário, na insuficiência de vitamina D), mas creio que esse nem é o aspeto mais relevante.

Brincar ao ar livre é fundamental para as crianças.

Brincar ao ar livre lança logo um primeiro desafio, que é o da observação do inesperado. Fora de quatro paredes acontecem muitas coisas, que não estão num “guião”, que despertam natural e saudavelmente a atenção da criança; “atrelado” vem o espírito de descoberta e, logo a seguir o de (re)criação; todos eles fundamentais para o desenvolvimento de qualquer criança (quando se fala que “desenvolver a criatividade é fundamental para as crianças”, isso não quer dizer que tenhamos que inscrevê-las urgentemente num atelier de artes plásticas… quer sim dizer que é importante que a criança aprenda a observar, a questionar, a desejar e a construir/ criar… tudo isso começa na relação com o seu espaço natural). Junto a esse desafio surge o desafio de lidar com a própria incerteza, com o risco de “pisar” um terreno que não é o que a criança domina. Por exemplo, numa sala, o piso é absolutamente direito, mas no jardim isso já não acontece… haverá provavelmente uma pedra ligeiramente sobrelevada que se escala e salta; depois outra, um pouco maior e escorregadia; e outra ainda maior, que permite um salto ainda mais desafiante e que, por acaso, tem as medidas ideias para me esconder atrás.

 

 

Esta confrontação da criança com o ligeiramente desconhecido (uma altura, uma textura, um contexto em que existem várias crianças, algumas delas que já conseguiram saltar, já experimentaram e criaram) abre um leque de oportunidades e de ligações incomparável: a criança vai (re)descobrir as suas capacidades e confrontá-las com os seus novos desejos… e é essa a base para que ela encontre o seu caminho para evoluir (as crianças não evoluem, crescem e aprendem porque nós, adultos, queremos…. isso só acontece verdadeiramente se elas quiserem e estiverem sintonizadas para isso).

Com tudo isto importa destacar que tão importante quanto brincar ao ar livre é o próprio brincar livre; falo do brincar sem enunciados, sem programas dos adultos – o confronto dos miúdos com os seus desejos, os seus instintos naturais de desenvolvimento e com os obstáculos naturais que se criam na confrontação de tudo isto.

No fundo trata-se, acima de tudo, de criarmos disponibilidade (tempo e disposição mental), de aliviarmos um pouco o nosso escudo protetor de adultos (que é necessário, claro, mas que podemos aprender a refrear) e acreditarmos verdadeiramente que as crianças são capazes: de aprender a avaliar uma situação de potencial risco (em vez do adulto simplesmente optar por só permitir que a criança se “movimente” em situações em que é o próprio adulto que “controla” o risco – já agora, um aparte: uma criança saudável não se coloca numa situação de risco sério intencionalmente; isto vem reforçar de que o papel do adulto deve ser, sobretudo ensinar a criança a avaliar o risco nas mais diversas situações e logo desde pequenos), de ultrapassar obstáculos, mesmo que não seja à primeira (porque na primeira vez até caíram, mas como querem mesmo, vão tentar de novo, incorporando a aprendizagem do falhanço da primeira tentativa – e como isto é tão importante de fomentar nas nossas crianças) de se recriar (sem necessidade de ter sempre o jogo predefinido na consola ou de terem sempre uma atividade nova e fantástica para combater o aparente “aborrecimento”) e de criar coisas novas, brincadeiras e até ferramentas (mais ou menos imaginárias) com o que tem à sua volta.

 

 

Os “Bairros” precisam de mais parques e zonas verdes?

Diria que os bairros precisam, em primeiro lugar, de mais gente na rua a aproveitar os espaços que já existem (e são consideráveis, pelo menos nas cidades que temos visitado).

No fundo, o princípio em que acreditamos é que se mais pessoas estiverem na rua, haverá mais gente a pensar o espaço público (para além de reclamar o espaço público – que também é importante, mas não basta) e haverá mais necessidade anunciada para as pessoas que decidem (se o decisor percebe a necessidade dificilmente irá negar a obra). Depois há fenómenos interessantes de melhoria das condições de vida nas cidades, algumas delas já estão até corroboradas na prática do Brincar de Rua: coisas como o vandalismo, o desrespeito pela limpeza dos espaços (nomeadamente com os cocós dos cães distribuídos amiúde), ou até o estacionamento abusivo tendem a diminuir em zonas onde as pessoas estão mais na rua (e é fácil perceber porquê… no Brincar de Rua já fizemos algumas campanhas com o lema “pelas crianças que agora brincam nesta rua”… e a verdade é que têm resultado!).

Dito isto, importa reforçar o que há muito se sabe: 1) espaços verdes nunca são demais; 2) temos sobretudo que apostar no planeamento participado das cidades, ou seja, que os cidadãos se envolvam, opinem, critiquem construtivamente que cidade querem para si e para as gerações vindouras (é que os erros de planeamento de hoje, pagam-se com muitos juros ao longo de muitos anos e com custos que infelizmente estão à vista em muitos bairros de Norte a Sul).

 

Como são escolhidos os voluntários do Brincar de Rua?

Em primeiro lugar, os candidatos devem ter mais de 18 anos; o candidato inscreve-se, preenche um questionário, e depois é submetido a uma entrevista para traçarmos o perfil e perceber se se adequa ao que definimos para o programa.

Queremos muito que as equipas de voluntários sejam, no futuro, compostas por pessoas de diferentes idades. Atualmente já temos alguns grupos em que os voluntários têm até mais do que 20 anos de diferença entre si… e isto já é ótimo. Mas gostávamos que os nossos cidadãos mais maduros se ligassem ao Brincar de Rua e trouxessem para o programa todo o seu potencial de vida.

De notar que um Grupo Comunitário de Brincar tem que ser constituído, em primeiro lugar, por uma equipa de no mínimo 2 voluntários (idealmente 3 ou mais).

 

Em que locais existe o Brincar de Rua?

Neste momento em Leiria… Estamos a preparar as coisas para avançar em Carnide, Lisboa.
O que significa que estamos à procura de famílias e potenciais voluntários interessados.

Ludotempo – associação de promoção do brincar
Morada : Rua da Capela, 23 1E | 2415-302 Leiria
(+351) 96 653 01 89
ludotempo@gmail.com
www.brincarderua.pt
Texto e Fotos: MdT e Brincar de Rua / Ricardo Graça
Ler é divertido
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